terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Meu plano falhou!

Pus-me a escrever. Dissertaria sobre a insatisfação, crônica, humana. Meu plano falhou. Contaria sobre a constância desse sentimento, sobre sua persistência e como era parte de nossa essência. Mas meu plano falhou. Diria -“tudo é sempre muito pouco”, que “muito pouco já é sempre demais. “Só faz frio”, “anda chovendo muito”, “o planeta está aquecendo”, “tempo maluco”. “Tanto a fazer”, “nada para fazer”. “A vida é curta!”.“A vida é dura!”.“É a vida!”- é, mas meu plano falhou.
Falhou porque, enquanto escrevo, admiro a água que desemboca em um rio onde, ao longe, se refresca o gado. Falhou porque agora o Sol doura minha pele gentilmente, enquanto a brisa seca o suor de meu rosto. Falhou porque ouço pássaros a cantar, crianças a gritar e vida- quanta vida!- a vibrar. Falhou porque tudo isso me satisfaz nesse momento, porque não desejo nada além do que vejo, ouço e sinto. Falhou porque aqui permaneceria, porque é tudo que, um dia, almejaria, o que infinitamente me satisfaria.

domingo, 12 de dezembro de 2010

A Morte em Vida

Não enxergava, a pobre garota. Também não podia ouvir e, sem ouvir, não aprendeu a falar. A imaginação era tudo que a permitia viver.Ah! Como imaginava a garota. Não conhecia formas, apenas o que pudera tocar. Cores vibrantes eram pintadas aleatoriamente, mas não se importava com elas, se quer sabia o que eram. Imaginava sem parar e, pela noite, deixava com que seu cérebro projetasse sozinho, em seus sonhos, todas as imagens que se esforçara tanto para criar.
Sentia o frio, o calor, o afeto, o amor. Sabia que havia algo errado, mas jamais lhe disseram o que era, não podiam. O não saber nunca fez grande diferença, a vida parecia cada dia mais excitante. Descobria novas saliências nas paredes, pelo chão. Conhecia novos aromas, novas essências. Os aromas a enlouqueciam, despertavam sua criatividade com um turbilhão de idéias, de novas formas, de sentimentos desconhecidos.
Tateava, imaginava, tateava, imaginava. A constância destas duas ações a permitiu construir e moldar seu mundo ideal. Era feliz nele. Quando algo não a agradava, apagava de sua mente e constituía uma verdade mais prazerosa.
Suas verdades eram suas, ninguém mais as possuía, ninguém mais as conhecia. Compartilhava apenas carícias, ternura, aconchego. Diferenciava cada pessoa pelo perfume e de um, gostava especialmente, o primeiro que inalara e que jamais a abandonara.
 Um dia sem que fosse avisada, parou de imaginar, também não sonhou. Sem que pedisse, foi despertada. Seus olhos doíam, suas orelhas latejavam. Sem que permitisse, seu mundo se dissolveu. Podia ver, podia escutar. Descobriu o rosto de cada perfume. Estranhou os sons que emitiam. Parou de imaginar.
Agora via blocos sobrepostos, um degrade de cores sombrias, homens se degenerando.  Agora ouvia buzinas sem sincronia, choros desesperados, chamados por socorro. Agora via e ouvia, mas já não conseguia criar.
 Com muito empenho imitou sons, uniu letras, formou palavras. Agradeceu, pediu perdão, colocou uma venda sobre os olhos e tapou as orelhas.
Já não conseguia criar. Não era mais livre, agora sabia verdades que não eram suas, não podia idear, não podia imaginar.
A pobre garota tornara-se pobre de fato. O que a mantinha viva, o que a fazia feliz, estava aprisionado em algum lugar que esquecera de procurar. Agradeceu novamente, pediu perdão mais uma vez.
De algo lhe serviu a visão: alcançou a janela, escalou uma cadeira, se atirou do 15º andar.
Livrou-se da dor. Livrou-se de verdades alheias. Livrou-se de um mundo que não era seu.
Livrou-se da morte em vida, viveu em morte.


Sofia Menegon