segunda-feira, 16 de julho de 2012

Entre Grades


Era a esperança lá, mais uma vez. Era a luz, ali, sobre todas aquelas soldadas da vida, guerreiras do mundo suburbano, amantes das pequenas grandes aventuras e das grandes pequenas ilusões. Ah, e aquilo a que se apegavam, aquilo que tinham entre os dedos entrelaçados era tão maior, tão maior que todas elas e, ainda assim, conseguiam carregar o todo em suas mãos gastas, mãos cuja delicadeza há muito havia desaparecido. Eram mulheres, mulheres mães, mulheres filhas, mulheres.
A esperança estava lá, pairando sobre almas feridas. A dor do passado é a maior de todas elas, é incurável, pois não se apaga. Agarravam aquela massa sem forma como se essa fosse a redenção. Carregavam-na com cautela, com desejo, com exaltação. Veneravam, veneravam, acreditavam.
Foi então que da vida se fez história, da esperança se fez a fé e da mudança se fez milagre. E o mundo silenciou diante da grandeza da realidade, da grandeza do ser e existir, da grandeza da mulher. Ao menos aquele mundo, aquele entre as paredes e as grades que as separavam da imensidão de outras existências, silenciou. A fé e a esperança, mulheres e...mulheres.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Minha Nega



Era branca a sala, alguns outros tons neutros compunham o cenário sóbrio. O silêncio só não prevalecia quando algum nome era chamado pelo doutor e causava pequeno alvoroço entre os pacientes que já esperavam, há algumas horas, por sua vez. Todos sofriam do mesmo mal e ouviram dizer que aquele consultório curava pacientes em poucos minutos, sem cobrar nada por isso. “Poucos minutos e de graça? Só vendo para crer”- alguns duvidavam. 

- Maria Eduarda Mendes- finalmente chamaram-na.

A moça esperava desde a noite anterior, na porta do consultório. Adquirira sintomas que se quer sabia que o mal poderia causar: não conseguia mover o pescoço, os olhos estavam fixos em apenas uma direção, as articulações enrijeceram, perdeu as expressões faciais, não sentia quaisquer emoções e até as lembranças estavam, aos poucos, escapando-lhe. Entrou na sala de onde veio o som. O doutor era, na verdade, uma senhora vestida em trajes coloridos, esboçando um sorriso incomum para a ocasião.

- Olá, minha nega, sente-se e me diga, vive essa vida há quando tempo?- questionou sorridente, a doutora colorida.
- 26 anos, doutora, tenho 26 anos.
-Não, minha pretinha, quero saber há quantos anos desistiu de viver pra valer, há quanto tempo aceitou ser levada pela maré, sem arriscar umas braçadas na direção contrária?

A moça, que já não tinha expressões, apenas calou, sem esperança.

- Deixe-me explicar, minha flor, o mal para o qual busca a cura é a morte que você escolheu como vida.Parece não fazer sentido algum agora, não se preocupe. Levante, vou ensinar-lhe algo que sua memória talvez não consiga resgatar, mas que um dia soube fazer. Sua mãezinha, sem dúvida, ensinou-lhe isso.


Em um movimento delicado, aconchegou a cabeça da jovem no seu peito, colocou seus braços abaixo dos dela e apertou com força confortante. A ação fez escorrer algumas lágrimas dos olhos de Maria Eduarda. O rosto voltou rapidamente a ter expressões, podia olhar para várias direções, mover o pescoço e até as articulações a surpreenderam quando, involuntariamente, envolveu a doutora com os braços.

- Isso, minha nega, chama-se abraço e é a expressão de amor mais preciosa e intensa de que já se ouviu falar. Esse é o segredo; para viver a vida, e não a morte, é preciso amar, e amar, neguinha, exige atenção, dedicação, calma. Amar é desejar o amanhã, é agradecer o hoje, é sonhar. Amar é, muito além disso, sentir o respirar, sentir o pisar, sentir cada movimento de cada músculo e articulação de nosso corpo. Amar é perceber cores, texturas, sorrisos, lágrimas, certezas e incertezas, sem medo, sem rótulos ou nomes; sem julgamentos. Agora vai, sai por essa porta e vai viver.

Maria Eduarda saiu da sala aos prantos, mas, assim que colocou os pés na rua, outro sentimento tomou seu coração; sorria, a moça. Andou pelas ruas sem destino, andou observando tudo e o nada. Notou algumas crianças pelas ruas, viu seus olhos brilharem e lembrou-se, imediatamente, do abraço do qual falara, a doutora colorida.

Foi viver, foi viver... foi amar.

Sofia Menegon
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Em épocas como estas, quando clichês são distribuídos sem mesquinharia, escrever algo de diferente torna-se um desafio. Andei preocupada, achei que não encontraria tema para dissertar ou ‘viajar’ a respeito, acontecimento algum no qual me inspirar; eis que surge Trindade, cujo apelido- que em segredo resolvi atribuir a ela, e que ela atribuiu a mim- dá nome a esse texto. Que surpresa maravilhosa encontrá-la nessa vida. Minha nega alegrou meu dia com seu sorriso cativante e com o carinho que teve ao me tratar, sem se quer me conhecer. Uma desconhecida a quem quero muito bem.
Que todos possamos encontrar pessoas queridas que façam a existência ganhar algum sentido, ainda que apenas com um sorriso, com um olhar. Que todos possamos ser Trindades na vida de alguém, ainda que apenas por um dia, por apenas alguns minutos.

                              Um 2012 incrível para todos, até lá!



domingo, 4 de dezembro de 2011

Um verbo: SORRIR


O sorriso, um sorriso, qualquer sorriso.
Que consigamos acumular sorrisos, que possamos distribuí-los sem juros, de uma só vez, sem delongas. Que saiam naturalmente, intensivamente, instantaneamente. Diante de qualquer besteira, qualquer outro sorriso, qualquer tropeço; vitória. Que nasça de um choro sentido, de uma lembrança empoeirada, de um cafuné pela manhã.
Sorriso, sorrir, sorria.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Apenas Crianças Adultas

Sorrisos tímidos eram agora gargalhadas alvoroçadas. Sem maquiagens, sem adornos ou contornos, éramos a nossa própria essência, que há muito andava submersa.
Cantamos músicas do passado, dançamos melodias de ídolos da infância, resgatamos a última lembrança dos tempos em que éramos apenas crianças.
Gritamos sem receio, dissemos sem medo de más interpretações, jogamo-nos no gramado úmido da chuva. Ah, que chuva! Lavou nosso semblante preocupado, os temores, as mágoas, dúvidas, responsabilidades.
O Sol se recolhia, a Lua trazia de volta um pouco da realidade esquecida. Olhares de saudade se cruzavam, desbotavam as cores, faziam do presente memórias, nostalgia de um passado recente. 

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Inebriado Amor

Entendemos naquele instante, entendemos o motivo do nosso encontro...
Eram devaneios inebriados, idéias quiméricas. Insistimos em uma ilusão. Quisemos tocar a utopia, esculpi-la, torná-la real. Não se concretiza o abstrato, não fomos avisados.
Perdemo-nos no ímpeto do desejo e pairamos sobre o acalento mútuo dos corpos. Indolentes, estagnamos.
Da paixão se fez indiferença, do amor se fez intolerância, da vida se fez vazio.
...Suas mãos justificaram as noites turbulentas, os dias adormecidos, as vozes silenciadas. Aquietamos o fim, desconstruímos as ilusões engenhadas, despertamo-nos.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Seja o que deixei de ser!

Talvez as palavras que eu digo não sejam aquelas que você esperava ouvir. Talvez você não encontre nelas o conforto que desejava. Talvez elas soem como julgamentos. Talvez pareça que nunca deslizei, que nunca agi impensadamente. Talvez você conheça minhas razões.Mas a verdade escondida atrás de todos os ‘talvez’ é que eu temo que tome os mesmos caminhos tortuosos que tomei. Temo que vivam em você as mesmas feridas que hoje tiram meu sono. Temo que passe anos a tentar, inutilmente, apagar o passado. Temo que veja no espelho a sombra de alguém que preferia jamais ser, mas foi. Temo que haja um vazio irreparável em sua alma. Temo que seja tudo aquilo que fui um dia e que, mais tarde, se torne tudo o que sou hoje.

sábado, 21 de maio de 2011

Voz Muda

Não posso ser o que um dia desenhaste em sonho, não tenho os contornos que um desejaste tocar, não falo manso, não sou tão sutil quanto imaginaste. Compreendo a todos, aceito todos, entendo que não sejas como eu, não espero que sejas, não esperes que eu seja. Compreendo sim, mas sinto. Sinto, sofro, desatino. Compreendas-me, é meu apelo. Preciso existir ainda, preciso existir apesar da tua existência, preciso que compreendas.
Não, não sou o que ideaste. Sou aqui, sou agora, sou tudo e, para ti, sou nada. Mas essas são apenas palavras caladas, ainda que dissesse não ouvirias, farias delas outras, farias delas espaços vazios, silêncio.