Era branca a sala, alguns outros
tons neutros compunham o cenário sóbrio. O silêncio só não prevalecia quando
algum nome era chamado pelo doutor e causava pequeno alvoroço entre os
pacientes que já esperavam, há algumas horas, por sua vez. Todos sofriam do
mesmo mal e ouviram dizer que aquele consultório curava pacientes em poucos
minutos, sem cobrar nada por isso. “Poucos minutos e de graça? Só vendo para
crer”- alguns duvidavam.
- Maria Eduarda Mendes- finalmente chamaram-na.
A moça esperava desde a noite
anterior, na porta do consultório. Adquirira sintomas que se quer sabia que o
mal poderia causar: não conseguia mover o pescoço, os olhos estavam fixos em
apenas uma direção, as articulações enrijeceram, perdeu as expressões faciais,
não sentia quaisquer emoções e até as lembranças estavam, aos poucos,
escapando-lhe. Entrou na sala de onde veio o som. O doutor era, na verdade, uma
senhora vestida em trajes coloridos, esboçando um sorriso incomum para a
ocasião.
- Olá, minha nega, sente-se e me
diga, vive essa vida há quando tempo?- questionou sorridente, a doutora
colorida.
- 26 anos, doutora, tenho 26
anos.
-Não, minha pretinha, quero saber
há quantos anos desistiu de viver pra valer, há quanto tempo aceitou ser levada
pela maré, sem arriscar umas braçadas na direção contrária?
A moça, que já não tinha
expressões, apenas calou, sem esperança.
- Deixe-me explicar, minha flor, o
mal para o qual busca a cura é a morte que você escolheu como vida.Parece não
fazer sentido algum agora, não se preocupe. Levante, vou ensinar-lhe algo que
sua memória talvez não consiga resgatar, mas que um dia soube fazer. Sua mãezinha,
sem dúvida, ensinou-lhe isso.
Em um movimento delicado,
aconchegou a cabeça da jovem no seu peito, colocou seus braços abaixo dos dela e
apertou com força confortante. A ação fez escorrer algumas lágrimas dos olhos de
Maria Eduarda. O rosto voltou rapidamente a ter expressões, podia olhar para várias direções, mover o pescoço e até as articulações a surpreenderam quando,
involuntariamente, envolveu a doutora com os braços.
- Isso, minha nega, chama-se
abraço e é a expressão de amor mais preciosa e intensa de que já se ouviu
falar. Esse é o segredo; para viver a vida, e não a morte, é preciso amar, e amar, neguinha, exige atenção, dedicação, calma. Amar é desejar o amanhã, é
agradecer o hoje, é sonhar. Amar é, muito além disso, sentir o respirar, sentir
o pisar, sentir cada movimento de cada músculo e articulação de nosso corpo.
Amar é perceber cores, texturas, sorrisos, lágrimas, certezas e incertezas, sem
medo, sem rótulos ou nomes; sem julgamentos. Agora vai, sai por essa porta e
vai viver.
Maria Eduarda saiu da sala aos
prantos, mas, assim que colocou os pés na rua, outro sentimento tomou seu
coração; sorria, a moça. Andou pelas ruas sem destino,
andou observando tudo e o nada. Notou algumas crianças pelas ruas, viu seus olhos
brilharem e lembrou-se, imediatamente, do abraço do qual falara, a doutora
colorida.
Foi viver, foi viver... foi amar.
Sofia Menegon
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Em épocas como
estas, quando clichês são distribuídos sem mesquinharia, escrever algo de
diferente torna-se um desafio. Andei preocupada, achei que não encontraria tema
para dissertar ou ‘viajar’ a respeito, acontecimento algum no qual me inspirar;
eis que surge Trindade, cujo apelido- que em segredo resolvi atribuir a ela, e
que ela atribuiu a mim- dá nome a esse texto. Que surpresa maravilhosa encontrá-la
nessa vida. Minha nega alegrou meu dia com seu sorriso cativante e com o carinho que teve ao me tratar, sem se quer me conhecer. Uma desconhecida a quem quero muito bem.
Que todos possamos encontrar pessoas queridas que façam a existência
ganhar algum sentido, ainda que apenas com um sorriso, com um olhar. Que todos
possamos ser Trindades na vida de alguém, ainda que apenas por um dia, por
apenas alguns minutos.
Um 2012 incrível para todos, até lá!